Acho que a maioria das pessoas que me conhecem sabe que eu gosto de ficção científica. E eu entendo o olhar de reprovação com que elas me olham quando eu digo a frase anterior. A ficção é considerada por muitos literatura em um nível menor, algo fantasioso e muitas vezes descartável. Eu, no entanto, acho que algumas ficções científicas têm um grande valor filosófico, imaginativo e porquê não... real. O que me estimula a ler, assistir ou consumir de uma forma geral esse gênero é a possibilidade que ele tem em teorizar, e propor uma reflexão de como seria o nosso mundo em uma situação hipotética ou realidade paralela. E a partir dela refletir sobre a realidade em que vivemos.
Tendo tirado isso do caminho, eu posso finalmente abordar o tema de hoje: 1984. Na verdade é algo mais, como a ficção futurista de George Orwell me afetou e logicamente afeta muitas das coisas que eu vivo. A foto ao lado é um exemplo claro de que a ficção fantasiosa não é tão irreal assim. Sobre a relação que isso tem com a viagem aos Estados Unidos, a foto foi tirada em um passeio em Boston, já contado aqui neste mesmo blogue.
1984 foi publicado em 1949 e é uma distopia assustadora vinda de um tempo onde a Segunda Guerra Mundial estava presente das memórias e nos corpos da pessoas, e o futuro parecia cada vez mais sombrio. Que tipo de regime seria capaz de guiar as pessoas através dos tempos? A crítica é para todos, sejam eles totalitários, socialistas e capitalistas. Existem coisas que não mudam. E o homem chega a conclusão de que liberdade é só uma palavra, sem real significado. Não sei como ou porque mas depois de ler 1984 fiquei um tanto sem chão.
A história em si não é o que chama atenção – acho que todo mundo consegue se identificar com um livro que revolve sobre a rebeldia solitária, sexo furtivo e terror incontrolável. Mas como as implicações dessa realidade se refletem sobre nossa realidade é impressionante.
Não quero arruinar a leitura de quem vier a se interessar pelo livro, mas o livro é sobre a impotência que temos dentro de nossa própria sociedade, a certeza de que liberdade não existe e que as verdades que acreditamos são facilmente manipuláveis. Uma grande parte do livro é sobre a luta pelo poder e como o ser humano é intrinsecamente o mesmo através de diversas formas de governo e de pensamento.
Dos vários frutos do livro, 3 que me chamam atenção, são a figura do Grande Irmão (ou Big Brother, se preferir), a importância da língua como arma e o controle cultural.
Algumas décadas atrás era impossível imaginar que as pessoas seriam completamente vigiadas. Hoje isso é tão real quanto a ligação interurbana. Nas ruas, no trabalho no transporte público somos constantemente seguidos. Não só por câmeras, mas por aparelhos celulares, registros nos computadores e etc. e tudo só tende a piorar. E no mundo virtual então: O google lê meus emails e de acordo com eles recomenda artigos para eu comprar. Sem falar que muitas pessoas fazem questão de se mostrar e ser literalmente "seguidas". Acessando um perfil no facebook ou no orkut posso saber até detalhes íntimos das pessoas. Esse é o efeito Big Brother – estão de olho em nós, não o contrário. Calcule o salto paranóico.
Outro ponto que me interessou mais no livro foi o fato de usarem a língua como forma de controle. Uma nova língua foi criada e vocábulos como liberdade, ciência religião todos perderam seu sentido. Não falo que isso seja tão marcante para mim, mas o que podemos pensar quando vemos palavras em outro idioma no nosso dia a dia, ditaduras sendo proclamadas “revolução”, invasões sendo chamadas de “guerra ao terror” e testes nucleares divulgados como “exercícios militares”. E isso é tão presente dentro da área de tradução - sentidos são escondidos, diminuídos, aumentados; mensagens são distorcidas e invertidas. Ao desígnio de quem quer ou quem paga.
E talvez o ponto mais chocante: como o controle cultural é capaz de deixar a população inerte e disfuncional. Uma mentira dita mil vezes se torna, sim, verdade. A verdade que Hollywood quer se torna a verdade do Brasil. A verdade que a mídia quer se torna verdade na vida das pessoas. O patriotismo de 4 em 4 anos é parte da vida dos brasileiros. Tenho muito contato com adolescentes, o futuro do país, e o que eu vejo são pessoas sem capacidade de discutir, de se opor, de captar mensagens menos óbvias e q facilmente se vêem detestando tudo o que é fora dos padrões vigentes e que tem sido enfiados a sutilmente desde os primeiros anos de vida. Isso não é controle cultural?
Mas finalmente, a verdade mais aterrorizante é que eu sou parte disso. Minha realidade está enraizada nesse embuste e eu, como alvo dessas artimanhas não sou capaz de me desligar disso tudo. Liberdade é escravidão? Disciplina é liberdade? Liberdade é uma palavra que o sonho humano alimenta, que não há ninguém que explique e ninguém que não entenda? Eu simplesmente não sei .
2 comentários:
Como se acostumar com a falta de poesia, de inteligência, de memória (humana!), de conversas que compartilham do mesmo ar e ambiente, de esperança, de respeito, de atitude... com a falta de sol? Sim, nós conseguimos chegar ao século XXI nos acostumando.
Luiz, gostei muito do seu texto, levanta um assunto extremamente preocupante. Uma das coisas que mais tentei passar para voces é a capacidade de perceber o que é bom e o que é mal para cada um de nós nessa sociedade moderna.
Existe uma intenção geral no mundo em confundir o máximo, informações, conceitos, paradigmas, crença de cada um, liberdade, respeito, autoridade, leis, disciplina e principalmente qual a responsabilidade de cada um. Perante a sua fé, perante ao governo, à sociedade, ao próximo, perante ao professor, aos pais e principalmente, perante a si mesmo.
Eu percebo que há um individua-lismo muito grande, primeiro eu depois os outros, essa filosofia reflete também nas nações, que acabam pensando assim também, primeiro os interesses de cada uma.
Como a comunicação hoje é muito rápida, fica mais fácil de confundir que explicar.
Não se preocupe com sua dúvida, você ainda tem uma grande virtude, percebe que existe algo errado no mundo moderno e isso está lhe preocupando.
Hoje tenho conversado muito com jovens e tenho pena deles, estão totalmente acorrentados, alienados e cegos ao que o mundo moderno oferece; internet, televisão, jornal, política e religiões...
Mas acho que a liberdade do homem está na educação, que depende da disciplina, do professor, das autoridades ter conciencia disso e do aluno querer se libertar.
Piaget dizia:" Um dos objetivos da educação é formar mentes que possam ser críticas, possam verificar, questionar e não apenas aceitar tudo o que lhes seja oferecido".
Mas, muitas veses a própria educação, também está sendo usada por interesses escusos.
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